Jogo avança no país à espera de legalização

CONGRESSO AVALIA PERMISSÃO EM RESORTS

Mesmo sendo um meio de comunicação opositor à legalização, o jornal mais importante do país revela que sem a regulamentação, o país deixa de arrecadar bilhões em impostos. O Congresso avalia a permissão apenas para cassinos em resorts, assegura O Globo em sua reportagem especial o jogo.

 O cadastro é simples: nome, e-mail, telefone e cidade. A aprovação dá direito a um tablet, a uma pequena máquina de impressão e abre a possibilidade de lucrar com a comissão em cima das apostas esportivas. O jogo no Brasil é proibido, mas cotidiano. Sites de pequeno porte vendem a chance de dinheiro fácil. Um sistema que funciona — e rende lucro — à margem da regulação, sem ganho algum para os cofres do Estado brasileiro.Sites líderes de mercado, com os domínios registrados fora do Brasil para driblar a proibição legal, lucram com as apostas feitas no país e reinvestem o dinheiro inclusive patrocinando clubes de futebol — não os brasileiros, porque a lei não permite. Nas ruas, bingos são presença constante, ainda que proibidos.

Diante do potencial econômico de uma atividade hoje sem regulação alguma, o debate no Congresso sobre a regulamentação do jogo cresce, com dois projetos de lei prontos para votação em plenário (um no Senado e outro na Câmara).

O texto em discussão no Senado não deve prosperar, porém a discussão na Câmara evolui. Uma das saídas apontadas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é restringir o projeto à legalização de cassinos integrados a resorts, uma ideia que divide os defensores da regulamentação.

Sendo assim

Estimativas dos que defendem a legalização sustentam que o jogo, hoje proibido, movimenta cerca de R$ 20 bilhões por ano no Brasil — caso fosse regulamentado, as projeções para o mercado apontam para o valor de R$ 65 bilhões, o equivalente a 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Só os jogos on-line (dominados especialmente pelas apostas esportivas) geram no Brasil em torno de R$ 1 bilhão para as empresas, com expectativa de chegar a R$ 7 bilhões na hipótese da legalização, segundo um estudo da KPMG entregue à Remote Gambling Association (RGA).

Os defensores da abertura do mercado apontam o potencial de arrecadação tributária desperdiçado e a geração de empregos. Do outro lado da discussão, opositores citam o risco de que o crime tente dominar o setor.

Veja que

Sem regulamentação e fiscalização, o mercado de jogos abre brechas para situações como a ocorrida em julho do ano passado. Seis clubes visitantes venceram suas partidas na 13ª rodada do Campeonato Brasileiro, elevando os prêmios a serem pagos e, literalmente, quebrando a banca de sites pequenos, populares especialmente no Nordeste. “Esse jogo acabou hoje, porque a menor banca teve prejuízo de R$ 2 milhões”, diz um cambista em um áudio que circulou no WhatsApp, publicado pela revista Trivela.

O GLOBO

Tentou contato com dois desses sites de menor porte, mas as chamadas foram desligadas quando o repórter se identificou. Já entre os principais sites do mercado — oriundos, em maioria, de empresas europeias —, não há problemas de liquidez, e o volume de dinheiro em circulação permite até que a atividade deixe de ser um hobby e vire profissão.

— Hoje eu vivo exclusivamente disso (das apostas em jogos de futebol). A primeira coisa é superar o fator emocional. O erro é o imediatismo. Eu não sei se vou ganhar dinheiro hoje, mas sei que em dezembro vou estar positivo — conta Fábio Bampi, um apostador que não cita valores, mas diz que lucra entre 15% e 30% do que investe.

Lembrando que

Nas propagandas que ocupam boa parte dos intervalos das transmissões esportivas na televisão, os grandes sites de apostas se apresentam como veículos de estatísticas. Os comerciais trazem a inscrição “este não é um site de apostas” e direcionam para endereços que fornecem probabilidades em partidas de vários campeonatos.

Uma busca simples, no entanto, leva ao verdadeiro negócio: as apostas, desenvolvidas em domínios registrados em países onde o jogo é permitido. Fundador e CEO de um site do ramo até o ano passado, Leonardo Batista, explica o mecanismo.

DESSA MANEIRA

— São sempre empresas constituídas fora do país, e os grandes operadores são europeus, com licenças dos respectivos países (onde há regulamentação). É uma operação completamente legal. Acho ridículo o Brasil não legalizar, porque nos países em que houve regulamentação, o impacto na economia foi extremamente benéfico — defende.

Presidente do Instituto Jogo Legal, Magno José corrobora a afirmação:

— Não podemos continuar ignorando que temos uma operação de jogos clandestinos muito forte sem contrapartida (para o Estado) — afirma ele, que calcula que em torno de R$ 19 milhões poderiam ir para os cofres públicos (com base em uma taxação de 30% em cima do mercado potencial de R$ 65 bilhões).

PROCURADOR DEFENDE ESTRUTURA ESTATAL

O procurador da República Peterson de Paula, que estuda o tema, chama atenção para um ponto: os cálculos sobre possíveis benefícios financeiros para o governo devem levar em consideração as despesas para criação de um órgão regulatório e a contratação de servidores para a fiscalização.

— Nos Estados Unidos, o sistema de regulação é tão pesado quanto o dos bancos. Isso significa dizer que será necessário criar uma estrutura estatal. Como é que você vai ampliar as modalidades de jogos no país, num contexto de emenda constitucional do teto, que impossibilita a ampliação de gastos em custeio?

Dessa forma

Ainda na discussão sobre as contas, o economista Ricardo Gazel, doutor pela Universidade de Illinois, afirma que os números apresentados por setores favoráveis à legalização estão inflados:

— O que as pesquisas mostram é que costuma ocorrer o fenômeno da canibalização: quem joga deixa de gastar em outras atividades. Além disso, o que ocorre é a transferência de gasto de um setor para outro.

A princípio, a necessidade de uma fiscalização forte, em um cenário de legalização, é defendida pelo advogado Pedro Trengrouse, que acompanha as discussões do setor.

— É preciso estabelecer o ambiente regulatório de cada modalidade e criar um mecanismo eficiente para combater a lavagem de dinheiro, diminuindo o espaço para o crime organizado. É preciso avançar na discussão sobre o assunto, porque só se combate jogo ilegal com jogo legal.

Enquanto se discute a legalização, um cassino em Porto Alegre funciona com base em uma decisão da Justiça local. O caso já foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF).

— O funcionamento de uma casa com apostas no estado é ilegal. A atividade está sendo realizada de forma irregular. Dito isso, minha opinião pessoal é que existe uma grande hipocrisia sobre o tema, porque a proibição do jogo não resulta na redução da criminalidade — avalia o secretário de Segurança do Rio Grande do Sul, Cezar Schirmer.

POR FIM

Sem entrar no mérito da legalização, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, defende a expansão da área de loterias federais — a arrecadação foi de R$ 14 bilhões em 2017. Na quarta-feira, o Tribunal de Contas da União deu aval à concessão da Lotex. Por isso, o governo pretende publicar até maio um edital que permitirá a participação de operadores privados no mercado de loterias, quebrando o monopólio da Caixa Econômica Federal.

— O mercado brasileiro de loterias tem uma grande avenida para crescer — acredita Almeida.

 

Fonte: GMB /  MARCO GRILLO E GUSTAVO SCHMITT – O GLOBO

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