Não jogo e não consigo deixar de achar que qualquer um que frequente casas de apostas ou faça regularmente sua fezinha na loteria tem algo de trouxa. O único jeito de ganhar num cassino é sendo o dono dele. Todas as modalidades de jogo de azar são desenhadas para que a casa ganhe, se as interações se repetirem por tempo suficiente. De modo análogo, a maioria dos apostadores de loterias morrerá sem ganhar a tão sonhada bolada.
VEJA QUE:
Ainda assim, não vejo como opor-me a uma eventual legalização do jogo. Não dá para defender, como defendo, que as pessoas devem ter autonomia para decidir se vão consumir drogas, eventualmente comprometendo sua saúde e suas finanças, mas não para apenas torrar seu dinheiro na roleta.
A discussão não é sobre os danos que estas atividades reais causam, mas sobre que tipo de sociedade queremos ser. Eu pelo menos jamais assinaria um contrato social no qual delegaria a meus vizinhos a decisão sobre quais substâncias posso ingerir ou no que posso gastar o dinheiro que ganhei honestamente.
Há um problema em sustentar esses níveis de autonomia individual, dirão os defensores de posições menos liberais. Seres humanos têm uma série de “bugs” cerebrais que os tornam presa fácil para certas drogas e para hábitos capazes de desencadear comportamentos obsessivos. Dessa forma, precisamos protegê-los contra esses defeitos de fabricação.
A princípio, concordo que algo deve ser feito, mas penso que a primeira linha de intervenção do poder público deve estar limitada a prover o cidadão com informações confiáveis. Secundariamente, o Estado pode fornecer a usuários problemáticos o apoio dos serviços de saúde. Não acredito, porém, que a possibilidade de escolha deva ser obstada. Em sociedades abertas, as pessoas têm o direito de fazer o que quiserem com seus próprios corpos e carteiras —e de errar nas tentativas.
(*) Hélio Schwartsman é jornalista e foi editor de Opinião da Folha de S.Paulo. É autor de “Pensando Bem…”. O artigo acima foi veiculado na edição desta quarta-feira da Folha de S.Paulo.